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domingo, 20 de julho de 2008

As Tecnologias Intelectuais

Uma tecnologia intelectual não precisa ser efetivamente utilizada por uma maioria estatística de indivíduos para ser considerada dominante. Até o começo do século XIX, a maior parte dos franceses não sabia ler, mas mesmo assim a escrita era havia muito a tecnologia intelectual motriz no plano tanto imaginário como religioso, científico ou estético. Durante séculos a verdade foi escrita, bem como o destino. O mundo desenrolava uma imensa página coberta de sinais a serem interpretados. Apesar de ser o privilégio de uma exclusiva casta de letrados, o prisma da escrita determinou a visão do mundo de muitas civilizações desde a mais alta Antigüidade. O etnólogo Jack Goody evidenciou o nascimento, com a escrita, de um certo tipo de racionalidade A disposição de sinais sob a forma de quadros, a visão sinóptica, gera uma exigência nova de lógica e simetria. Posto no papel, separado do fluxo efêmero da palavra, o discurso é objetivado. Doravante pode exercer-se o espírito crítico. Destacam-se a criação e a cópia, o comentário e o relato. Acumulam-se os textos, pouco a pouco emerge uma temporalidade linear, histórica. Mais adiante, o alfabeto torna costumeira a abstração de uma ordem seqüencial e combinatória. A imprensa, por fim, autoriza o "livre exame" dos textos, alivia das mentes o enorme fardo da memória e da tradição, libera o caminho para a observação da natureza. Pode-se imaginar, sem a imprensa, a revolução científica do século XVII, as Luzes, o nascimento do imenso movimento que arrancará o Ocidente, e a seguir toda a Terra, do mundo tradicional?

Assim como a escrita, a informática deve ser analisada como tecnologia intelectual. Os microprocessadores são objetos, coisas fabricadas, com um peso, um preço, um aspecto visível. Os computadores são máquinas que podem ser transportadas, modificadas, programadas, destruídas. A informática expõe suas ferramentas: seres materiais, estruturas lógicas ou linguagens formais, pacientemente construídos. Esses instrumentos podem ser dissecados, examinados, sondados, são objetos de experiência. É essa a dimensão empírica da informática.
Mas essas máquinas de calcular, essas telas, esses programas não são apenas objetos de experiência. Enquanto tecnologia intelectual, contribuem para determinar o modo de percepção e intelecção pelo qual conhecemos os objetos. Fornecem modelos teóricos para as nossas tentativas de conceber, racionalmente, a realidade. Enquanto interfaces, por seu intermédio é que agimos, por eles é que recebemos de retorno a informação sobre os resultados de nossas ações. Os sistemas de processamento da informação efetuam a mediação prática de nossas interações com o universo. Tanto óculos como espetáculo, nova pele que rege nossas relações com o ambiente, a vasta rede de processamento e circulação da informação que brota e se ramifica a cada dia esboça pouco a pouco a figura de um real sem precedente. É essa a dimensão transcendental da informática.


Pierre Levy*

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Samuca!!

Seu blog está devida e merecidamente linkado ao BLOG DE JUAZEIRO e na REVISTA DO BETO.

Um abraçao.