Páginas

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Um novo sujeito para um novo espaço...

" Os sujeitos não aparecem mais como figurinos sólidos postos sobre territórios bem recortados, mas como distribuições nômades correndo sobre um espaço dos fluxos."
Pierre Lévy

A partir do final dos anos 80, a revolução cultural resultante do desenvolvimento da informática vem acelerando mudanças em todos os níveis e estratos sociais. As facilidades de comunicação que o correio eletrônico e as infovias puseram em circulação vêm transformando a noção tradicional de espaço como território onde se atua e se conquista identidade. A Internet é hoje um grande meio heterogêneo e transfronteiriço designado como ciberespaço. Segundo Pierre Lévy (1999), a cada mês, o número de pessoas com endereço eletrônico aumenta em 5 % no mundo. Em vista dessa realidade, que só tende a se desenvolver, uma vez que o que é chamado hoje de multimídia se encontra apenas em sua infância, é urgente repensar, paralelamente à questão deste novo espaço, a do sujeito que o freqüenta.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a crise da representação, crise do sujeito cartesiano, aquele balizado num tipo de racionalidade que lhe permitia o controle do conhecimento, tornando-o, assim, sólido e fixo, é também uma realidade conseqüente à perda dos fundamentos e paradigmas (Deus,direito, pátria e família tradicionais) que alicerçavam, até os anos sessenta, a razão clássica. Na segunda metade do século, sobretudo a partir dos anos setenta, o desmoronamento dos valores e o capitalismo tardio jogaram o planeta numa crise de sentido sem precedentes. Perdidos os paradigmas e diante de novas e estranhas relações globais, o homem é presa da incerteza e de um conseqüente sentimento de desestabilização, que o deixaram, agora indivíduo global, à deriva, passivo e indiferente, em meio aos volumosos fluxos de informação. É a era do vazio, da perda do sentido e da extrema carência e fragilidade do indivíduo de quem foi retirada a base de sustentação de sua identidade. O homem comum confronta-se hoje, a cada passo, com o acaso e o imprevisível, na medida em que conhece menos do que o que se cria, não exercendo mais controle sobre os produtos da cultura que é incessantemente convidado a consumir. Na verdade, tem uma visão limitada da realidade, em evidente contradição com o excesso de informação enviada pelos massmedia e pela memória eletrônica.

Aproximar-se da realidade, para sair da alienação, é o convite que os interessados no processo de hominização, em ação nos multimídia, vêm fazer aos que renovam sua a posta no futuro, encarando o progresso de forma positiva, ao contrário daqueles que vêem, nas atuais forças históricas, a banalização do pensamento e da cultura ou um pensamento débil. Surge assim a Internet como um espaço provocador para questionamentos sobre o papel do sujeito na história, autor que ele é dessa mesma história. Os fins e a practibilidade desse novo meio de comunicação, que só faz se expandir, não devem significar o fim do homem. Na verdade, para que tais fins estejam em plena consecução com os ideais capazes de dar a este espaço uma dimensão mais criativa onde o saber possa continuamente se alimentar, integrando, numa forma, a volumosa massa de informações que a mundialização cultural envia, é preciso o resgate de nossa consciência dos próprios atos e do tipo de desempenho que por eles buscamos.

É preciso, em suma, conhecer melhor o sujeito contemporâneo. Os usuários da Internet são nômades sem sair do lugar, num mundo em perpétuo movimento no qual as novidades e as mudanças não cessam de acontecer. Por paradoxal que isto pareça, este fato tem um peso imenso na nova consciência que aqui postulamos: a do uso que fazemos ou podemos fazer de nossos "quanta", de nossos átomos ou grãos, dos signos em circulação, encerrados que estamos num mundo de significações em permanente produção: a cultura contemporânea.

Sem fundamento ou origem, a não ser um fundo de imagens sem modelo original ou de cópias sem mais referências a não ser outras cópias, o sujeito contemporâneo está preso, como uma aranha, na rede de significações que a cultura, em seu estágio mais avançado, lhe oferece. Sua liberdade, porém, é algo a conquistar como potência de signos e representação de imagens, o que o obriga à desacomodação e à reinvenção constante desses mesmos signos e de outros ainda por inventar, fruto da ressemantização contínua em jogo. É bem verdade que muitos são os convidados, e poucos os dispostos às novas aventuras do conhecimento. Talvez seja isto uma contingência da história. Mas a afirmação da democratização das infovias depende de cada um dos seus usuários.

A participação on line dos educadores - eternos aprendizes do saber- é de importância vital, nesta hora em que se chama o sujeito disperso e fragmentado do mundo contemporâneo para uma tomada de consciência de seus atos. Como diz Pierre Lévy (1999), "Cada ato é, em potência, uma pepita de ouro." Só qualificando permanentemente nossos atos podemos evitar que os acontecimentos se produzam em vão e sigam um curso enlouquecido. É preciso estar cônscio de que os atos carregam em si a potência de acontecimentos que podem mudar a história, aliviando-a, assim, das penas infligidas por atos irrefletidos. Toda esta quântica das qualidades não significa um retorno à velha, boa e excludente racionalidade cartesiana , pois os grãos de que agora se ocupa o indivíduo, em busca de sentido, são signos emitidos por sujeitos. Portanto, não são sólidos e fixos, não estão presos a significados prontos. Estão, pelo contrário, a ponto de devirem outros, como resultado de ressemantizações inesgotáveis, na medida em que, tanto quanto os sujeitos, são diversos os contextos onde os signos se põem em relação.

Em vista disso, o espaço da Internet, seja ele educacional ou simplesmente informativo e/ou informal , é sempre um espaço polifônico e plural onde está em jogo a construção de intersubjetividades, de um sujeito posto em relação com outro. Espaço de trocas e permutas, de heteroglossia e de intersecção de culturas diversas, espaço, enfim, do sempre outro, ele não permite hierarquias, descentrando, por completo, a tradicional relação professor/ aluno. Este novo espaço onde se articulam as diferenças acaba por ser um espaço onde também se articulam semelhanças, favorecendo uma fratria ligada entre si pelo mesmo interesse maior no saber construído pelos sujeitos que ali se constroem. O indivíduo interativo pode vir a descobrir, como Italo Calvino, que o eu "só serve para que o mundo receba continuamente notícias da existência do mundo, um engenho de que o mundo dispõe para saber se existe."

"A Internet é o suporte de uma fala plural onde se produzem agenciamentos coletivos de enunciação, o que torna seus freqüentadores responsáveis por si e pelo outro com que interage, a bem dizer pela própria criação do mundo. É preciso garantir, em sua virtualidade, um legítimo espaço de desenvolvimento humano e de saberes coletivos",

Nenhum comentário: